Num contexto em que assistimos à profunda e preocupante reestruturação do National Health Service (NHS) no Reino Unido — marcada pela abolição do NHS England e pela fragmentação da sua estrutura — torna-se ainda mais premente refletirmos, com lucidez e sentido de urgência, sobre o futuro do nosso próprio Sistema Nacional de Saúde (SNS).
Em Portugal, o SNS é uma das mais emblemáticas conquistas da democracia. Representa, para muitos, o garante de equidade, coesão social e acesso universal à saúde. Porém, enfrenta hoje desafios estruturais que colocam em causa a sua resiliência e sustentabilidade: desde a escassez de profissionais e a saturação dos cuidados primários até à crescente pressão orçamental e à dificuldade em alinhar políticas nacionais com as reais necessidades das comunidades locais.
A dimensão do problema é visível nos números. Em setembro de 2023, a dívida do SNS a fornecedores externos ultrapassou os 2,3 mil milhões de euros, exigindo injeções orçamentais extraordinárias para evitar ruturas. Esta prática recorrente, confirmada pela ACSS em sede de audição parlamentar, denuncia um padrão estrutural de subfinanciamento e ausência de mecanismos de planeamento eficazes, que se repete ano após ano e compromete seriamente a capacidade de resposta do sistema.
Ao mesmo tempo, os pagamentos em atraso e os défices acumulados nas entidades públicas empresariais (EPE) do setor da saúde expõem limitações graves na gestão da tesouraria, na eficiência dos processos de compras e na articulação entre os vários níveis do sistema. Apesar de algumas melhorias pontuais, como a centralização de compras e o reforço de genéricos e biossimilares, os impactos dessas medidas têm sido insuficientes face à dimensão dos desafios.
Pedro Pita Barros observa uma melhoria financeira no SNS em 2024 (menor atraso em pagamentos), esperada pelo aumento do orçamento. No entanto, as novas ULS não mostram melhor gestão financeira. Não há evidência de melhoria significativa nos indicadores de qualidade. Na componente de acesso (tempo de espera para cirurgia), há melhoria em relação a 2023, mas menor quando comparada com ULS pré-existentes, sugerindo que a melhoria decorre do aumento do orçamento. Para uma análise em mais profundidade recomendamos a leitura deste artigo no blog deste economista - "Momentos Económicos e Não Só".
É neste cenário que o Think Tank SNS de Contas Certas assume um papel central e estratégico. Promovido pelo Fórum Hospital do Futuro, pela Digital Health Portugal e por um conjunto alargado de parceiros institucionais e técnicos, este espaço de reflexão e ação visa contribuir para um SNS mais sustentável, inovador e próximo das pessoas, promovendo o alinhamento entre políticas públicas e soluções locais concretas.
O IV Plenário do Think Tank, agendado para os dias 3 e 4 de abril de 2025, reunirá decisores políticos, profissionais de saúde, autarcas, académicos e representantes da sociedade civil para debater soluções práticas para os desafios mais prementes. A centralidade das Unidades Locais de Saúde (ULS) neste novo modelo de governação partilhada será um dos temas em destaque, com foco na sua articulação com os municípios e na descentralização responsável como motor de eficiência e proximidade.
Este processo será conduzido através de metodologias participativas, como o formato World Café, que permitem a escuta ativa, o diálogo intersetorial e a formulação de propostas concretas. Mais do que um exercício de diagnóstico, este Think Tank é um espaço de cocriação de soluções, onde a inovação em saúde se cruza com a governação responsável e a participação cidadã.
A atual conjuntura internacional, marcada por reformas arriscadas e desintegrações como a do NHS britânico, serve-nos de alerta. O risco de fragmentação, de perda de equidade e de desresponsabilização na gestão da saúde é real. Mas Portugal tem a oportunidade — e a responsabilidade — de trilhar um caminho diferente. Um caminho que transforma desafios em oportunidades e que reforça o SNS como pilar essencial de uma sociedade mais justa e saudável.
O Think Tank SNS de Contas Certas existe para contribuir ativamente para esse caminho. Porque é tempo de agir com responsabilidade, com estratégia e com visão de futuro.
O Think Tank SNS de Contas Certas | Saúde sustentável é uma iniciativa do Fórum Hospital do Futuro, da Digital Health Portugal e parceiros, que é gerida pela empresa Debate Exímio Lda um spin-off do col.lab | collaboration laboratory e a nossa política de privacidade dos dados pode ser consultada aqui.